sexta-feira, 13 de março de 2009

(IN)DIGNO DE PENA


Todo dia eu pego um dos ônibus que mais rodam em BH, não conheço ninguém na cidade que não tenha entrado nele. E como ele passa por vários lugares, demora 40 minutos do meu bairro ao centro, que é o meu destino (cursinho). Durante toda essa longa viagem, quando não estou lendo, eu literalmente viajo, mas na "maionese". Penso em coisas que vão desde a menina que está gritando ás 6 horas da manhã no meu ouvido, no banco ao lado, até a Crise atual. E há umas duas semanas atrás, durante essa minha viagem, aconteceu algo diferente pra mim.
Um senhor entrou no ônibus com um menino pequeno no colo e mais duas meninas atrás dele.
Nem chegou a passar pela catraca, parou ali e começou a falar:
- Bom dia! Senhores eu gostaria de pedir um minuto da atenção de vocês.
Eu logo pensei, "Ah nem, lá vem esse povo de 'eu podia tá matando, robando, mas tô aqui humildemente pedindo a sua colaboração',aff". Como eu estava muito perto dele, no banco ao lado do trocador, não tive como não prestar atenção no que ele falava.
- Eu vim do Vale do Jequitinhonha, moro em Itinga e trouxe o meu neto pra BH, para ele fazer seu tratamento. Ô gente, o Lucas ele tem 3 anos e eu vou falar pra vocês sem nenhuma vergonha. Ele nasceu soropositivo.
Nessa hora, todas as faces se convaleceram pelo garoto e eu como boa observadora que sou, percebi os milhares de murmúrios de tadinho, os olhares de pena, os rostos transparecendo dor. Foi quando passei a reparar no menino. Ele estava com a cabeça raspada e o corpo cheio de bolhas estouradas, parecendo queimadura. Percebi que aquilo junto com o fato de ele ser aidético, tinha causado toda aquela reação das pessoas. E então o senhor continuou a falar, com um papel nas mãos à mostra:
- Ô gente, essas bolhas no Lucas não são queimaduras. Ele recebe do governo a maioria dos tratamentos de que precisa, mas eu estou precisando comprar uma sonda no valor de R$ 40,00 para tratar esses ferimentos, pois isso o governo não dá pra gente. Eu estou aqui com o exame de HIV do Lucas e o documento que mostra que ele está sob minha guarda. Agora, eu peço uma ajuda a quem puder dar. Podem confiar que o seu dinheiro será por uma boa causa.
Os documentos apresentados, tirando a dúvida de todos se ele estava ou não usando aquela criança para amolecer as pessoas e ganhar dinheiro fácil, me fez ver uma cena que eu nunca presenciei.
Eu abri minha bolsa e tirei a primeira nota que vi na frente. Doei R$5,00. Fui a primeira a entregar, afinal estava perto. Em seguida o ônibus inteiro se mobilizou para doar dinheiro aquele homem. Pessoas saíram dos seus assentos e foram até ele, lhe dando a ajuda pedida e algumas palavras de conforto. E eu reparei que não houve sequer moedas, todos doaram nota de 2, 5 e 10 reais, uma quantia alta para esse tipo de "doações". Aquilo comoveu as pessoas que estavam lá, uma mulher ao lado chegou até a chorar, dizendo que olhava para o menino e lembrava do filho dela.
E a palavra que mais se repetiu ali dentro foi PENA. "Tadinho, que pena", "É uma pena, uma pobre criança", "Que peninha", "Eu sinto tanta pena de um pai, avô não poder cuidar de sua família". Nisso quando não era as suas variações, "Ai que dó". "Ô dozinha".

Isso foi há duas semanas. Eu nem ia escrever sobre o que senti naquele dia, mas hoje o fato se repetiu. Ele entrou no ônibus e todas as reações descritas acima se repetiram. E eu lembrei da primeira vez. E resolvi falar do que eu senti.

Ao dar meus cinco reais à ele, eu me senti péssima, ao contrário da maioria no ônibus que sentiu como se tivesse feito a boa ação do dia. Eu não estava ajudando nada, estava apenas dando uma esmola para amaciar minha consciência, pra dizer, "eu fiz alguma coisa, olha como sou bondosa". Sou, porcaria nenhuma. Estaria ajudando de fato, se tivesse deixado de ir ao shopping, ter gastado 50 reais com futilidades, oferecido à ele e dito," Toma, compra de uma vez essa sonda." Ou então ajudado ele a arrumar o dinheiro, não sei! Feito alguma coisa de verdade. E eu não fiz nada, além de abrir minha bolsa e dar o dinheiro do meu lanche do dia. Ter feito aquilo não aliviou em nada a minha consciência, apenas fez eu me sentir inútil e fútil.

E além de tudo isso, eu não senti PENA do Lucas e do seu avô. Eu não consigo sentir isso em relação às pessoas, aliás, eu ODEIO pena. E sei o porquê. A última coisa que eu iria querer que alguém sentisse por mim, era pena, dó, piedade. Considero o pior sentimento que alguém pode ter por outra. E se não quero pra mim, não sinto pelo outros.
Quando alguém sente isso por outro, eu penso que é como se essa pessoa fosse incapaz de fazer nada por ela mesma, de tentar mudar aquela situação que causou esse sentimento. E a única coisa que lhe restou foi a piedade alheia, a pena, que considero eu, um sentimento no qual você finge sentir a dor do outro, mas jamais trocaria de lugar com ele.
Eu sei reconhecer quando uma pessoa sofre, precisa de ajuda, a situação não está boa, as injustiças do mundo. Sei sentir que isso é muito ruim e sei até chorar em certas situações.
Mas, pena, eu posso ter sentido em alguns momentos, e certamente odiei.

Tentei explicar da melhor maneira o que eu penso sobre a pena, sei que não me dei muito bem nessa tentativa. É um pensamento muito complexo, é díficil descrever uma coisa que só eu senti.
Eu tentei.


"Basta as penas que eu mesmo sinto de mim, junto todas, crio asas, viro querubim..."

9 comentários:

O Frango disse...

Eu adoro pena. Se não fosse por ela, eu andaria nu pelas ruas...

Brincadeiras a parte, tento evitar essas pessoas no bus. Uma vez um soropositivo tava falando lá na frente e eu não escutei lhufas que ele falou. Quando ele veio pro meu lado, eu tava rindo de um caso que uma amiga estava me contando e ele achou que eu estava rindo dele e começou a me xingar ¬¬

Formatura de Pedagogia Puc Minas 2012 disse...

Ahh... não sabia que os autores ficavam felizes =].Tabom,a partir de agora,comentarei...

(Nossa,o Bruno me comove) hahah

Paloma disse...

Não que você esteja errada, já que, numa análise superficial, só sendo muito infeliz pra ser digno de pena, mas em certos - vários - momentos é só isso que a corrupção (não a política e sim a nossa, interna) permite-nos sentir. Aí fica claro o egoísmo que você citou e que muitos, inclusive eu, conhecemos; gostaria de ter agido diferente diante de situações cujo contexto se assemelhou a esta. Apesar disso, creio que, apesar de não à princípio não ajudar em muita coisa, reconhecer o próprio egoísmo seja o necessário para dar inicío à mudança de tal condição.

Paloma disse...

* creio que, apesar de não à princípio não ajudar em muita coisa

= creio que, apesar de à princípio não ajudar em muita coisa

Marcos Pinheiro disse...

Caramba, um tempo desse eu tava conversando a mesma coisa com um amigo meu. A pena é um sentimento que também despreso.

.:.

msn: marcospinheiro.jr@hotmail.com


.:.


Até mais.

Marcos Pinheiro disse...

Ah, e obrigado aí pela mudança na lista de parceiros.

: ]

Luize Valú disse...

Eu nem sempre ajudo, só as vezes. E na verdade eu fico triste de não poder pegar a pessoa, levar num bom médico e conseguir e conseguir o que ela precisa. Dá uma sensação de sei lá o que, me sinto mal!

kuandr disse...

Noa minha amiga, nada haver.
Tambem concordo com voce, ninguem e digno de pena nao importa a situacao. Acho que tal sentimento so faz piorar as coisas.
E mesmo sendo so ´"dinheiro do seu lanche do dia" foi uma atitude louvavél ha muitos que nao teriam capacidade de fazer o que voce fez.

Nao precisamos fazer o muito, mas sim o suficiente pra insentivar outros e assim formando uma corrente de boas acoes xD

Fique na Paz

abracos,
Douglas

www.kuandr.blogspot.com

Luilton disse...

Tem uns comentários aí em cima que não entendo patavinas... rs
Parecem respostas a outros comentários em outros blogs... ai como odeio isso! rsrs

Bom, sobre o seu post: foi um bonito gesto, você foi legal sim. Ajudou, isso é o que vale. Para quem está sendo ajudado, todo apoio é bom.

Quanto à pena, é triste sim, mas nada supera o ciúme. O ciúme, na minha opinião, é o pior sentimento que se pode ter por outra pessoa.

Um abraço.