terça-feira, 8 de setembro de 2009

Apelo de um órgão abandonado

Eu me lembro bem da época em que você era jovem. Ah, quantas saudades! Eu vivia elétrica e intensamente; com você não havia tempo para descanso. E quando você se apaixonou pela primeira vez, por aquela garotinha que sentava na carteira da frente na escola? Eu pulava tanto,mas tanto que parecia que iria saltar pela sua boca e me por a mostra ali mesmo, na carteira da escola. Mas isso não foi nada perto do seu primeiro beijo. Meu Deus! Achei que ali era o meu fim, não aguentava mais me abrir e fechar tão rapidamente.

Logo depois veio sua estréia nas desilusões do amor. Como sofreu, ou melhor, como sofremos!Durante meses eu fiquei ali apertadinho, levando sérias "fincadas" quando você se lembrava dela ou apenas se aproximava. Cada contato um apertão, um choque diferente. Como aquilo doía; chegamos a pensar que nunca mais iríamos amar, somente pela simples vontade de nunca mais sofrer.

Ledo engano, naquele tempo você era apenas um homenzinho em construção. Você cresceu e durante todo esse percurso eu vibrei com suas alegrias, paixões e excitações, também não pude deixar de sentir suas dores. Afinal de contas eu sou você. Ou será você eu? O que sei é que eu preciso de um corpo para bater e você de de mim para sobreviver. E foi essa relação de íntima necessidade que nós mantivemos durante esses seus 46 anos de existência.

Mas agora, cara, parece que se esqueceu que eu existo, e mais, esqueceu que eu sou vital para a sua pessoa. Há anos que eu não sinto uma emoção diferente. Todos os dias aquela mesma rotina de TUM-TUM-TUM, às vezes me sinto como um sino de igreja naquele badalar entediante. Você nunca mais amou ninguém, nem sequer se aproximou de uma mulher. Nem sofrer, você sofre. Que isso, homem! Eu também preciso de excitações, de me exercitar, sabia? Ah que saudades dos tempos em que você não me deixava em paz...

Como se não bastasse o marasmo de emoções, você ainda quer dar cabo de nós dois com uma tacada só; fica se embebedando, entupindo o pulmão de nicotina e comendo até pedra que estiver na sua frente. Só lhe aviso uma coisa: já estou sedentário e caso precise que eu force a circulação para passar sangue nesse cano de gordura que você chama de veia, eu não terei forças. E aí, meu caro, era uma vez eu e você.



Já que falamos em fatalidades. Não vou esconder minhas imaginações. Estou tão cansado dessa vida chata e monótona que você leva, que cheguei a desejar que você tivesse uma morte cerebral e assim eu fosse parar no corpo de outra pessoa. Quem sabe esta não gostasse de viver mais do que você? Seria uma emoção inesquecível sair desse mundinho fechado, nem que fosse por alguns minutos. Bom, como essa morte não depende de mim, eu procurei outra alternativa. Um princípio de infarto, talvez. Assim você iria se assustar e começar a me dar o devido valor. Mas é melhor não, deixa isso pra lá, eu correria riscos em prol de uma incerteza. Se bem que já seria uma emoçãozinha...

Acorda cara, vai viver! Sei lá, corre daqui até a esquina, levanta essa bunda. Eu precisava de sentimentos, mas já que está em falta, me exercite apenas, por favor! POR FAVOR!!! Eu imploro!

Não acredito! Você está se levantando, aleluia! Saiu de casa, amém! Está atravessando a rua, tentou correr, não acredito, eu estou frenético novamente,tutututututu, não conseguiu correr! Ai meu Deus, eu estou parando, eu não quero parar, tum...tum..., eu quero bater, eu que-ro ba-ter, eu que-ro, eu...ba-ter.
Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiii

6 comentários:

Ronaldo disse...

Que texto, nossa, fiquei preso a ele, meu coração bateu mais forte.

Adorei, parabens por ele

Espero que quem o ler mude algumas coisa que voce citou e que muita gente faz, temos que acordar

Anônimo disse...

Não bebo (cerveja), não fumo. Sei que posso correr sem ser medo de ser feliz pois acredito que estou saudável.

Bom texto!

Marco Damaceno

Rômulo Lopes disse...

O meu coração provavelmente terá o mesmo fim que o coração de meu avô: morrerá acompanhando uma partida de futebol.

Só tenho 22 anos e me cuido muito bem, mas toda vez que a bola rola a coisa fica estranha. Eu sinto que ele se altera. rsrs*

Maria Chuteira disse...

ahh...fiquei angustiada..rs mas vale o recado ;)
parabéns!

Marcos Pinheiro disse...

IN-CRÍ-VEL!... Mais uma vez a Natália "Verrísimo" Coelho me surpreendeu com tamanha criatividade. Com certeza esse é um dos seus melhores textos que já li. Ele não tem imperfeições... Perfeito do início ao desfecho final, que tanto gostei!

Susyanne Oliveira disse...

Um puxão de orelha pra quem acah que o corpo é uma lata de lixo.
E não é lixo reciclável..
Parabéns!

www.eusoupublicista.blogspot.com