segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

O parque e o chocolate



Eu estava caminhando no Parque Municipal, num momento típico de filme meloso, no qual a protagonista anda sozinha pela cidade enquanto reflete sobre sua pacata vida. E este momento assim como nos filmes, acabou com alguém me acordando pra realidade.
Era uma criança, com no máximo 10 anos de idade. Um menino moreno de olhos castanhos intensos, cabelos lisos e raspados. Não aparentava ser um menino de rua, mas também não parecia ser de uma família rica. Ele estava sentado no banco à minha esquerda, e o modo como ele havia me olhado quando eu estava passando. Com um ar de curiosidade, mas também com um jeito de quem deseja algo, havia me desconcertado de tal forma que eu virei e me sentei ao seu lado.
Agora ele fitava o lago a sua frente, fingindo não me ver. Enquanto eu o observava e me perguntava por que uma criança estaria ali, sozinha. Sim, porque se alguém estivesse com ele, já deveria ter aparecido há muito tempo. Foi então que tentei iniciar uma conversa, pra ver se encontrava respostas.
- Olá – disse, com um tom ingênuo muito mal disfarçado.
- Oi – ele respondeu em um sussurro, que não teria escutado senão fosse a minha repentina atenção dedicada a ele.
- Eu me chamo Juliana, e você?
- Felipe – respondeu olhando para seus pés.
- Han... é... sua mãe escolheu um belo nome! – Meu Deus, eu falava igualzinho minha avó.
- Eu não conheci minha mãe – ele disse.
Nesta hora, eu quis mudar de assunto, pois sua última resposta tinha me deixado sem palavras. O que eu deveria dizer? “Olha, foi mal, eu só estava curiosa sobre você”, e deixá-lo ali? Não, não era isso que eu queria.
- Ah, sinto muito - foi o que consegui dizer – Qual é a sua idade?
- 9 – errei por apenas um ano!
- E quem está aqui com você? – Só mesmo uma criança para continuar conversando comigo, eu poderia muito bem ser uma psicopata ou pedófila, fazendo tantas perguntas a um estranho.
- Ninguém, moça, eu sou sozinho – ele abaixou os olhos novamente, como se estivesse envergonhado.
Agora sim, eu estava sem palavras. O modo como ele havia dito “eu SOU sozinho” ao invés de “estou”, tinha me feito sentir uma dó tão grande por ele, mas ao mesmo tempo me intrigara. E eu queria de uma maneira bem egoísta, ir mais fundo na conversa, saber da vida de Felipe, mesmo que isso lhe causasse dor. Então simplesmente prossegui com meu relatório.
- Como assim, Felipe? Onde está sua família?
- Eu não tenho família – ele respondeu olhando para baixo, como sempre.
- Mentira sua! – eu rebati – Como você chegou aqui, vestido, de banho tomado, alguém com certeza cuida de você!
- Moça, eu fugi... – agora ele finalmente olhara pra mim. Foi aí, que eu percebi que eu o estava torturando, porém sem razão alguma, eu não conseguia parar.
- Fugiu de onde? Da sua casa?
- Eu também não tenho casa. – agora ele passara a olhar fixamente para as minhas mãos.
- Felipe, dá pra me explicar tudo direito, por favor?! – eu realmente mandara, como eu era curiosa!
- É que eu cresci em um orfanato, nunca conheci nenhum parente meu.
- Continue. – foi o que eu consegui dizer, eu sempre fui curiosa, mas desta vez estava passando dos limites com um pequeno estranho e não fazia o menor esforço para me controlar.
- Eu não gosto de lá, as “Tias” nunca me levam pra sair. Os meus amigos têm padrinhos, sabe, aqueles que nos dão ajuda e fazem passeios com a gente, mas eu não tenho um. Todos eles já vieram aqui e me falaram que era muito legal, por isso eu sempre quis conhecer. Aí ontem à noite quando as “Tias” dormiam, eu pulei a janela e fugi.
- Meu Deus, Felipe, como você é danado hein! – estava perplexa, só não sabia se era mais com a história dele ou com tamanha esperteza.
-É, as “Tias” falam isso pra mim. – ele sorriu pela primeira vez – Aí quando saí de lá, eu fiquei perguntando as pessoas aonde era o Parque Municipal e consegui chegar aqui – novamente ele fitava minhas mãos.
- E você gostou daqui? – já satisfeita com sua história, resolvi mudar de assunto.
- Sim!É legal! Tem brinquedos! – ele olhou para onde estavam os brinquedos eletrônicos. Eu sabia que ele queria brincar, mas não tinha dinheiro pra isso.
- Felipe, você quer ir lá? – de uma forma inexplicável, um senso de superproteção havia tomado conta de mim, e eu já me sentia responsável por ele.
- Quero, mas não posso – sempre olhando para baixo.
- Pode sim! – eu gritei e o levei para brincar.
A felicidade estampada naquele rostinho e o sorriso de criança, tinham me dado tamanha alegria, a qual eu nunca sentira.
Depois de brincar, nos sentamos na grama e ele voltou a olhar minhas mãos.
- O que você tanto olha, hein?
- O que é isso aí? – ele apontou para a sacola que eu segurava.
- Ah! É minha barra de chocolate. – havia me esquecido que tinha comprado para ir ao parque. Sempre comia quando estava triste.
- Hum, eu já vi na TV, as “Tias” dizem que faz mal.
- Faz nada, sempre como quando estou mal e fico bem.
- Eu fico triste ás vezes, mas nunca tive um pra comer.
- O quê?! Você nunca comeu chocolate?! – no meu mundo chocólatra, isto seria um absurdo. Acho que não só em meu mundo, mas ele vivia em outro completamente diferente do meu, e eu esquecera disso naquele momento.
- Não. – ele disse envergonhado, acho que meu espanto causara isso.
- Ah, hoje você irá comer! Toma, é toda sua, coma. – pela primeira vez na vida, eu dava meu chocolate à outra pessoa de bom grado.
Ele pegou a barra de minhas mãos e a abriu com tanta voracidade e rapidez, que eu comecei a rir. Então ele disse:
- Você não vai comer um pedaço?
- Não, eu não preciso mais desse chocolate.
- Então você não está mais triste? – como ele era espertinho, prestava tanta atenção nas minhas palavras quanto eu nas dele.
- Não. – mal sabia ele, que tinha salvado meu dia e sabe-se lá se muito mais. Vê-lo feliz tinha me feito esquecer o porquê eu estava ali, sozinha no parque.
- Que bom, moça. Eu também não estou mais triste. Acho que é o chocolate – ele riu– Vou falar pra “Tia” que não faz mal, não.
- Ah, mocinho! Você se lembrou de que tem que voltar, não é?
- Ah...é, tenho – acho que isso cortara o efeito do chocolate.
- Sua “Tia” não deve estar nada feliz com o seu sumiço! – eu o lembrei.
- É, eu devo ficar de castigo por isso.
- Vai mesmo. – como eu era péssima para confortar crianças.
- Moça, como é ter uma casa, uma família? – eu já começava a gostar de se chamada de “Moça”
- Ah, é bom. – foi só o que consegui responder. Não sabia como dizer a ele o quanto era maravilhoso sem deixá-lo triste. – E no orfanato?
- Meus colegas são legais, algumas tias também, mas é tudo dividido, eu queria ter uma mãe e um quarto só pra mim. – ele disse.
Era tão desconcertante, agora que ele estava me contando tudo. Era o que eu estava procurando desde o começo, mas não esperava esse tipo de reação minha.Não esperava me apegar a ele.
O dia estava escurecendo, foi então que olhei o relógio. Eram 17:40, não tinha percebido o tempo passar.
- Olha, Felipe, faltam 20 minutos para o parque fechar, então a gente tem que ir embora, tá bom?
- Tá bom. – ele murmurou. Seu rostinho angelical ficara triste e aquilo encheu meus olhos d’ água.
- Vamos indo? – peguei sua mão e fomos em direção a saída.
- Moça...
- Sim?
- Me leva pra “casa”? – ele me pediu com um olhar, que me lembrou o gatinho do Shrek.
- Levo, só me diz aonde é.
- É no Orfanato São Mateus.
Milagrosamente, eu sabia onde era. Porque eu nunca sabia onde eram os lugares na cidade.
Pegamos um ônibus e fomos contando sobre nossas vidas, no caminho. Cada um ouvindo e aprendendo histórias sobre mundos totalmente diferentes, ele da sua vida de órfão e eu de “moça de família rica”. Eu escutava atenta, parecendo mais criança do que o próprio Felipe. Para mim, era muito interessante descobrir um novo modo de vida. E o mais impressionante para mim, era ver, que mesmo com uma vida difícil, ele estava longe de ser digno de pena. Não chegava a ser a criança mais feliz do mundo, mas também não tinha ar de derrotado. Algo nele me dizia que ainda seria um grande homem.
Finalmente, havíamos chegado ao orfanato. Já estava me dirigindo a entrada, quando Felipe segurou a minha mão.
- Por favor, não entre. – ele pediu.
- Por quê? Eu quero conhecer as “Tias”.
- Não. Elas vão querer que você se explique. São muito chatas com isso. E você vai ficar de castigo também!
Com essa última frase, eu me lembrei de que ele tinha apenas 9 anos, mas que também estava certo. Se eu aparecesse, teria de explicar o que estava fazendo com ele o dia todo. E isso atrapalharia futuras visitas.
- Está bem, Felipe! Dá cá um abraço, vai!
Ele me abraçou, e eu senti um carinho imenso por ele, como se ele fosse meu irmão caçula que estava indo embora.
- Juliana, promete que vem me ver de novo? – ele me chamou de Juliana, pela primeira vez, isso deveria significar um pedido sério.
- Prometo, Felipe! Você agora é meu “chocolate”, esqueceu? – ele riu – Vou vir vê-lo sempre que puder, ok?
- Vou ficar esperando – ele disse olhando para meu rosto, não mais para baixo.
- Agora, anda que já está tarde. Tchau! – eu disse lhe empurrando.
- Tchau! – disse. Me deu um beijo no rosto, daqueles que só crianças sabem dar e se foi.
Mal sabia ele, que havia ganhado a tão sonhada madrinha, e eu uma alegria que não engordava e era muito mais real.
A partir daquele dia, eu desejei sempre ter as alegrias de Felipe. Aquelas, inocentes, simples e sinceras.
E eu voltaria ao orfanato o mais breve possível. Afinal, eu não vivo sem chocolate.

4 comentários:

Alexandre Silva disse...

Oi Natália...
Caramba, só hoje vim aqui pegar o selo que vc me deu, rsrsrs. Mas tô presente.

Qualquer um que viria aqui postaria: "legal esse post" sem em mesmo ter lido uma linha, eu li ele todo e digo que é uma daquelas histórias que vc conta daqui a 10 anos, uma coisa aparentemente "pequena" que marca pra sempre a vida da gente.
Como diria uma professora minha: "a gente vale pelas histórias que a gente conta".
Só ñ entendi o "Juliana". Passei a história toda pensando que era com vc, rsrs
Parabéns semi-conterrânea ;)

Abraço
http://falandoprasparedes.blogspot.com

Alexandre Silva disse...

Dxa eu fecundar de novo (haja vista que não ovulo)
Tem mais um selo pra vc no meu brógui. Já q vc me presenteou, receba de vola. Mas o meu é e pobre, e pobre qdo presentei sempre fala: "Repara não viu, é só uma lembrancinha..."

Abraço

http://falandoprasparedes.blogspot.com

O Frango... ® disse...

Que bonitnho nat! Quando você falouq ue tinha escrito um texto não pensei que ele iria ser tão bonitinho... gostei muito!!

O melhor é o cara aí em cima que não conhece a Juliana... como não conhecer a Juliana?
hauahuahauha

Natália Coelho disse...

Hahsuashusa nem todos a conhecem Bruno!