segunda-feira, 3 de agosto de 2009

O espelho da Alma

- Você está morta e esqueceu de cair. - ela disse.
- Não estou não, cale a sua boca.
- E me diz, se isso que você anda levando, pode ser chamado de vida?
- Pessoas diferentes, conceitos diferentes. - respondi me enroscando no cobertor.
- Alma, olhe para você. Levanta daí e fique diante de um espelho, anda.

Eu me levantei, quase que me arrastando e não fosse o puxão que ela me deu, teria caído de volta no mesmo instante. Não queria colocar minha massa tediante em pé, e muito menos olhar para o estado em que eu me deixei encontrar. Ali, defronte o espelho, eu negava intensamente e a mim mesma, a verdade que este cuspia na minha cara. Não, aquilo ali não era o meu EU, não poderia ser o que um dia foi Alma.

Não bastasse a minha luta interna, Vera persistia na idéia de atirar-me ainda mais naquela verdade que eu tanto odiava.

- Olhe para si mesma, Alma, olhe.

E eu continuava a olhar, mas não era para mim, já disse, aquilo não era eu.

- E agora, me diz se você não morreu? - ela continuou me interrogando.
- Vera...eu não morri, mas quem é essa?
- Essa, minha amiga, é o que você se tornou durante este último ano.


À essa altura, meus olhos já estavam completamente marejados e eu precisava gritar, colocar pra fora o que eu sentia. Socá-la, cuspir na sua cara tudo o que o mundo me fez absorver. Mas a culpa não era dela. Vera sempre foi a única que tentou me salvar do buraco que eu estava cavando. E eu também nunca soube expor, colocar pra fora, pelo contrário, tudo o que eu sempre fiz, foi deixar armazenado e colocar pra dentro, que viessem sólidos, líquidos e pastosos. Não importava o problema, a minha única solução era comer. Eu precisava de quantidade, não qualidade.

Depois de um ano trancafiada em casa, saindo apenas para ir ao supermercado comprar mais comida, sem falar com os amigos, a família e me fechando completamente para o mundo ao meu redor, não seria surpresa o fato de que eu havia mudado e muito. Não para os outros, mas naquele dia, a surpresa era para mim.

Vera tinha trazido um álbum de fotografias novas e velhas. Olhando para as féria perdidas, o carnaval, as festas juninas, o natal e o reveillon, todo aquele ano longe de quem eu gostava, não me contive e desatei a chorar. Quando pensava que a dor e a saudade não pudessem ser maiores, Vera me mostra uma foto minha antiga. Nela só estava eu, de costas para o mar e sorrindo. Mais jovem, mais bonita, mais feliz e mais magra. Agora sim, eu me reconhecia, aquela era a verdadeira Alma. Então eu chorei, derramei 365 dias de lágrimas contidas no ombro de Vera, até que ela me olhou e disse:

-Eu quero a minha amiga de volta. Traz ela pra mim, Alma?
- Vera, olhe para mim, eu engordei 30kg em um ano, já não sou mais a mesma. Tenho vergonha de sair assim nas ruas. Não quero que me vejam.
-Todos os que te amam, sabem que você sofreu uma perda e que por isso está nesse estado. Porém,você deve se envergonhar de não tentar mudar, e não de ir encarar o mundo novamente.
- Não é fácil, eu não sei se consigo, não sem ele.
- Você não está sozinha e eu lhe digo que conseguirá sim.
- Prometo que irei tentar, eu não gosto do que vejo, preciso mudar. Por mim, por você e por ele que também não iria gostar de me ver desistir.

Após essa breve conversa, Vera colou minha foto antiga no espelho, para que eu sempre me lembrasse de quem eu era. E cada vez que eu olhasse para mim, eu tentaria ver a Alma da foto e não aquele reflexo apagado de mim mesma. Até que chegou o dia em que eu não mais precisei de fotos e nem mesmo de comidas.

8 comentários:

Paloma disse...

Não há muito o que escrever acerca do ,senão que é fantástico, muitíssimo bem escrito. E que - confesso -, parece tanto comigo. Gostaria de tê-lo escrito.

Abraços

Anônimo disse...

Natália, muito bem escrito. Adorei o seu blog. Vou seguí-lo e perseguí-lo.
Beijos. Manoel.

Marcos Pinheiro disse...

Como mesmo disse a P, não há muito o que dizer, a não ser que bolou um ótimo roteiro pra tratar do assunto. Ótimo!

Vini e Carol disse...

Muito interessante.
Seria uma pessoa conversando com sua própria alma e vendo as diferenças físicas?
Huuuum.
Ficou muito bem escrito.
Confuso, mas bem escrito.

Abraços.

Mulher Vã disse...

Hmm!

Começou interessante, de forma atraente, predendo a atenção. No inicio, tive a impressao de ser a pessoa se dando um auto puxão de orelha, até comecei a ler com mais atenção. Depois ficou confuso, já não era ela com ela, tinha uma tal "Vera". A confusão deve ter partido dos nomes.

Apesar de num todo ter ficado bom o texto, acredito que tenha faltado um pouco mais de drama e de cu doce por parte da Alma, ahn caramba ela aceitou muito rápido o esculacho da outra! Além do motivo por ela estar enfurnada por um ano em casa ter ficado meio turvo...
Ahn ela tipo poderia fumar sem parar ou então se picar, cheirar hehehe. Acho que faltou ela ser mais lixo. Tinha de ser um lixo arrogante que quer estar sempre certo, isso mesmo!

É isso, te encontrei por aí e vim conferir.

Passar bem, moça.

Ronaldo disse...

legal, lembrei de algo que aconteceu com uma amiga minha parecido com isso

bjs

Alexandre Silva disse...

Esse texto é mto sensível pra mim. Minha "armadura" não permite interpretá-lo com as devidas minúcias sensitivas que o próprio exige e merece :/
Mas ficou bão

Anônimo disse...

adorei
esse conto e o do arenito são perfeitos.